“Não contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças a sua voz” . Mateus 12:19
Minha infância foi bem intensa, muito curta, mais intensa. Sou da geração que brincava na rua. Escola pela manhã e rua enquanto a mãe não gritasse seu nome, que ecoava, muitas vezes já ao anoitecer, no bairro todo. Era impossível não ouvir. Aí não dava nem para se despedir da molecada, era correr o máximo que podia para aparecer na frente dela antes que ela gritasse de novo. O argumento era simples e direto: se não voltar quando eu chamar, não deixo você brincar de novo na rua. Funcionava comigo e com as dezenas ou centenas de outras crianças que se divertiam por ali.
Era um tempo diferente se comparado com os dias atuais, mas extremamente prazeroso e saudoso. A gente tinha uma liberdade condicionada à obediência. Havia limite para tudo que se fazia e me lembro bem, o limite era sempre o outro: “você pode fazer o que quiser, desde que não machuque ninguém”. Isto acabava por gerar uma consciência de um cuidar do outro, pois, se alguém se machucasse, a notícia chegava rapidamente aos ouvidos das mães e aí muitas explicações teriam que ser dadas. Havia no ar uma atmosfera de companheirismo e muitos destes colegas de infância se tornaram amigos da vida toda.
A gente iniciava no trabalho bem jovem, no meu caso, por escolha minha, com nove anos de idade. Não se assuste, isso era bem comum. As famílias eram bem estruturadas, mas a maioria era pobre e como queríamos ter nosso próprio dinheiro para gastar em coisas pessoais, arranjávamos trabalho de meio período. Êta, como aquela grana era boa! Tenho ótimas lembranças daquele tempo, as pessoas com quem eu trabalhava sempre me trataram com muito carinho e respeito, era como um filho. Aprendi muito e penso que tudo isso ajudou na formação de quem sou.
Dentre as inúmeras brincadeiras da minha infância, o que mais gostava era jogar bola. Era assim que a gente chamava o futebol. Perto da minha casa tinha um campinho e lá a garotada se juntava todos os dias. Eu não era perna de pau, mas também não era tão habilidoso com a bola, como alguns colegas. Tentava me virar como podia, às vezes como centroavante e outras vezes como zagueiro. Por aí dá pra você ter uma ideia do esforço que eu tinha que fazer para ficar no time, isso até o dia em que ganhei uma bola de couro, claro, virei titular absoluto. O poder corrompe!
Já em minha fase adulta, fazia parte da turma da pelada na empresa em que trabalhava, e o esforço era o mesmo, muita vontade e nem tanta habilidade. Quando não conseguia resolver na bola, usava da força física para parar o oponente. Lembro sempre da fala do Aredes, um dos colegas, exageradamente habilidoso com a bola nos pés: “acabou o argumento?!”, dizia ele. Lógico que nunca admiti, mas ele me dava uma canseira daquelas. Esta frase ressoa em meus pensamentos sempre que vejo alguém, em qualquer situação, por falta de argumentos, tentar vencer na força física.
A internet deu voz a todos nós, podemos manifestar nossas opiniões acerca de tudo, muitos com distinta habilidade e outros nem tanto. É cada vez mais comum ver pessoas gritando, xingando, agredindo, humilhando, desmerecendo, criticando outras pessoas pelos canais digitais, não porque seus argumentos sejam melhores, pelo contrário, por total falta de argumento. Observo algumas pessoas, figuras bem populares, tentando se afirmarem nas redes com ofensas e palavrões, o interessante é que sempre se alteram nos momentos de maior insegurança, ou seja, naqueles assuntos em que não tem tanta certeza do que dizem.
A promessa que Deus fez sobre o seu escolhido, aquele que viria em Seu nome para promulgar o direito e redimir a humanidade (Isaías 42: 1), sobre o qual estaria repousado Seu espírito, traria a verdade como seu maior argumento. Sem imposição, sem contenda, nem gritaria, nem alarde. Jesus, embora arguido exaustivamente por aqueles que detinham a ideia de poder religioso, argumentou sempre baseado na verdade e apontou as ações realizadas por Ele, suas obras, como prova de seu ministério. Seus opositores destituídos de argumentos, passaram a acusar, criticar, xingar, agredir.
Todos nós buscamos um lugar de poder. Alguns menos ambiciosos, outros desejam a glória. Conquistar seu espaço, onde possa governar, por vezes significa subordinar outros ao seu comando, se impor sobre a vontade e liberdade daqueles que se submetem. Liberdade pressupõe livre escolha, fundamentada em ações reais, que nos convençam e convertam a caminhos favoráveis. Ascender ao poder ou o afã de manter este status, pode nos entorpecer e cegar, ocultando nossa falta de argumento, fazendo calar aqueles que têm a habilidade, pela força de nossa vaidade.
“... Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito…” (Zacarias 4: 6). O mover do Espírito de Deus é suave. Ele não quer se impor sobre você, o que Ele deseja é que você pense, mude sua mentalidade, conheça e analise Seus argumentos. Deus não se oculta em Seu poder para te vencer. O que Ele quer é te dar a vitória. É você quem ganha quando o ouve. A cura, a liberdade, a vida é o que você alcança quando entende e obedece a sua voz. Nossos referenciais de poder e autoridade quase sempre estão deturpados, o que nos leva a olhar para Deus por este reflexo, precisamos ressignificar essa relação.
Devemos ter cuidado com quem grita, usa de violência, se impõe sem argumento, pela força que pode ser demonstrada de diversas formas: física, intelectual, moral, mas nunca pela habilidade de conduzir à verdade, ao reconhecimento. Precisamos cuidar para não sermos nós o canal da imposição, utilizando da nossa posição de autoridade e poder para interromper a progressão de outros. A justiça, baseada na verdade e o amor, vínculo da perfeição, devem alicerçar nossas relações para atingirmos o nosso melhor e favorecer o crescimento de quem caminha conosco.
M.Ce.Diniz
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